Avelino, Eduardo e Paulo Apolónia. “Nunca pensei que o nome Apolónia podia singrar”

Avelino e Célia Apolónia abriram, há mais de 40 anos, um pequeno supermercado em Almancil que se tornou no mais ‘exclusivo’ supermercado do país. Avelino tinha sido emigrante no Canadá, onde cozinhava para seiscentas pessoas, e de regresso ao Algarve tentou a sua sorte. Hoje têm mais de 30 mil produtos nas suas três lojas. A história da família Apolónia, contada pelo pai e os dois filhos
Entrevistei Avelino Apolónia há mais de 25 anos, depois de vários amigos me terem chamado a atenção para a excelência do seu trabalho. «Tens de conhecer o homem que fez o melhor supermercado do país depois de ter emigrado para o Canadá há muitos anos. No supermercado dele tem tudo o que não há nos outros sítios», dizia-me o Gigi, uma das figuras da Quinta do Lago. Fiquei com uma admiração profunda pelo homem que sempre apostou na qualidade, apesar de ter passado anos sem o ver. Na altura, penso, o supermercado Apolónia, em Almancil, estava em obras e o seu orgulho no que estava a construir ‘tocou-me’. Um homem que não teve a oportunidade de estudar, fez apenas o segundo ano de escolaridade, depois de ter trabalhado no Canadá, onde fez de tudo um pouco, e que chegou a cozinhar, diariamente, para 600 homens. Quando voltou quis abrir um snack-bar, mas a mulher temendo que tivessem que trabalhar à noite, pediu-lhe para apostar antes num minimercado, apesar de já terem encomendado as ‘máquinas’. Conseguiu ‘mudar’ de máquinas e abriu o seu Apolónia, com «produtos que os outros não tinham», como gosta de dizer. No princípio, eram os estrangeiros os seus clientes, a quem chegava a ‘emprestar’ dinheiro. Com o boom da Quinta do Lago e de Vale do Lobo, nos anos 90, ‘apanhou’ a clientela portuguesa que se juntou à estrangeira. Quem queria dar um jantar nesses dois empreendimentos turísticos de luxo não podia deixar de se abastecer no Apolónia. Avelino, de 83 anos, agora com os dois filhos, Paulo, de 57, e Eduardo, de 50, recorda esses e outros momentos. Agora têm três supermercados, ao de Almancil juntou-se o da Galé e o de Lagoa, e ainda não desistiram de abrir sucursais em Lisboa, Porto e Espanha.
Tinha dois anos e meio quando teve um acidente que lhe amputou parte dos dedos de uma mão. O irmão, de cinco anos, estava a cortar uma figueira quando Avelino tentava ajudar e deu-se o acidente. Algarvio profundo, Avelino ‘carrega’, com muito gosto, uma pronúncia cerrada e uma forma única de se expressar. Entendi, pois, não alterar a ‘linguagem’ de Avelino Apolónia. Esta é a terceira das entrevistas a figuras que marcaram e marcam o comércio algarvio.
Porque decidiu ir para o Canadá?
Avelino. Tinha lá o meu pai. O meu pai estava na Venezuela, depois foi para o Canadá, carta de chamada de um tio meu, e depois eu fui também para o Canadá, com carta de chamada do meu pai. Onde nasceu o meu filho mais velho, o Paulo – foi encomendado no Algarve e foi nascer lá.
Eduardo. Eu nasci cá e depois fui para lá.
Como é que lhe veio essa ideia de apostar em produtos raros. No Canadá não lidava com esse tipo de produtos?
Avelino. Lidava com alguns, o meu último trabalho lá foi como chefe de cozinha. Tipo catering. Era de escala, 300, 400, 500, 600 pessoas para dar de comer e ter o produto a horas e a tempo para não faltar. O produto só chegava lá uma vez por semana, que era sempre fora do centro da cidade. Fiz muita coisa. Primeiro comecei a pelar (descascar) batatas, fui lavar tachos e panelas, lavar loiça, também fui empregado de mesa, e depois tive uma ‘oportunidadezinha’ de começar a fazer as pancakes e fritar os ovos, meti-me logo lá, e depois comecei a engatinhar, e cheguei ao topo.
Paulo. O meu pai fazia aqueles caterings industriais, era preciso levar 300 homens para um sítio para trabalhar, eles montavam contentores, cozinhas, quartos, e depois era preciso muita organização para ter a comida pronta a horas.
Avelino. Houve uma vez que me faltou esparguete e fui correr a uma cidadezinha perto, corri as mercearias todas, e arrebanhei o esparguete todo porque o camião não conseguia chegar – estávamos na fase do degelo. E como tinha que dar esparguete naquele dia, tive de me virar. Aquilo era matemático. Era dia do steak, era steak. Era esparguete, era esparguete. E assim sucessivamente. E aquilo era certinho. O T. bone steak era duas vezes por semana, e eram 600, 700 steaks, numa grelha, um a pôr e eu a voltá-lo e a dizer, depois de pôr o dedo, isto está bem passado, este está mal passado, este está blue…
Não estava, de todo, quando saiu daqui, a pensar que vinha para este ramo.
Avelino. Não, de todo.
Da mesma forma que os filhos quando fizeram o curso também não estavam de todo a pensar que algum dia seguiriam este ramo.
Avelino. Também não.
Paulo. É difícil dizer que não, não seguimos, mas não estudámos para seguir.
Eduardo. Acho que é muito natural, e muitas empresas familiares que conhecemos parecidas têm um percurso idêntico, é que nós vivemos, desde pequenos, com esta vida do trabalho, o trabalho, o trabalho, e nós não imaginamos aquilo como sendo a nossa vida dali para a frente. Até que crescemos e quando olhamos, aquilo são as evidências…
Mas foram fazer cursos que nada tinham a ver com esta área.
Paulo. Zero.
Depois é que viram que isto estava a ter sucesso e decidiram continuar o império?
Eduardo. Acho é que chega uma altura que se torna uma opção lógica. Mesmo que não tivesse o sucesso que tinha na altura, que era sempre um sucesso relativo, era o que parecia lógico, era continuar um negócio de família.
Avelino. Quando abri isto, a malta que eu conhecia, naquele tempo, dizia-me assim: ‘Então tu vais abrir um minimercado ali, aquilo não está ali ninguém, não mora ali praticamente ninguém, o que tu vais fazer?’ Eu dizia: ‘Olha, vou experimentar, se der, deu, se não der, vou para o Canadá outra vez. A coisa começou a ir andando, andando, andando…
Mas por que começa a ter aqueles produtos todos que não existiam nos outros supermercados?
Avelino. Porque eu trabalhei lá, como cozinheiro, conhecia determinados nomes dos produtos. E antes de abrir fui logo a Lisboa, a uma empresa que era a Ramazotti, que já fechou, e à Martins e Costa, que também já fechou, infelizmente.
Que eram importadores?
Avelino. Exatamente. Fui lá e trouxe logo meia dúzia de umas, doze de outras, seis de outras, e assim fiz logo um leque de produtos importados no supermercado.
Mas quem trabalhava no supermercado ao princípio?
Avelino. Eu e a minha mulher, mais um pessoal.
O Eduardo, na véspera da abertura, trabalhou até uma da manhã, até o mandarem ir dormir.
Paulo. Sim, estava lá o meu verão, um espetáculo.
Avelino. E até um compadre meu que foi lá ajudar-nos comeu umas sardinhas, daquelas amarelas, e foi quando ele soube que era hipertenso e no outro dia foi parar ao hospital.
Quando é que o Apolónia se torna um fenómeno de popularidade? Nessa altura, as pessoas iam para a praia, depois iam ao Gigi, ao Passos, depois à noite iam jantar a restaurantes como o Paixanito, ou outros, e acabavam no T-Clube. À tarde, o social ia ao Apolónia. Era um clássico.
Avelino. Olhe, sequer que lhe diga, sinceramente, não sei como é que começou a ser tão falado. Foram os próprios clientes que divulgaram o supermercado. Palavra puxa palavra, eu não fiz nada para sermos conhecidos.
Paulo. A grande diferença que eu acho que aconteceu foi que nós, durante os primeiros anos, éramos muito ligados aos estrangeiros, porque os estrangeiros iam ao Apolónia, já que em Almancil era o único sítio onde conseguiam estacionar, onde as pessoas falavam inglês, onde lhes levavam as compras ao carro, onde quando pediam um produto diferente aparecia nos dias seguinte, havia a simpatia…
Avelino. Onde era o banco dos estrangeiros, porque eles compravam três ou quatro ou cinco contos, ou seis ou oito, ou aquilo que fosse, e depois diziam: ‘Ah, eu não quero ir ali ao banco, você põe-me aqui mais cinco contos, cinco mil escudos, e eu passo um cheque e tal.
Eduardo. Era o serviço ao cliente no seu expoente máximo.
Paulo. Nós ligávamos para o banco e fazíamos o câmbio do dia. Não ganhávamos nada com isso.
Avelino. O que estou a dizer é que as pessoas compravam cinco ou dez contos em compras e pediam para acrescentar mais dinheiro, para eles passarem um cheque no valor correspondente.
Paulo. Mas para dizer quando é que isto mudou, nós cada vez tínhamos mais produtos importados, tínhamos serviço, mas não tínhamos muitos clientes portugueses. E aquilo coincidiu com uma altura em que nós aumentámos a loja e com a vinda de portugueses para a Quinta do Lago e Vale do Lobo. Através de estrangeiros ou através de alguém descobriram o Apolónia. Rapidamente começaram a dizer que o Apolónia tinha produtos diferentes, isto em finais dos anos 80, anos 90.
Eduardo. Os primeiros anos não foram fáceis, foi sempre uma subida gradual.
Mas que produtos é que tinham que mais ninguém tinha?
Avelino. Olhe, como hoje, temos produtos que mas ninguém tem. Molhos e condimentos. O baked beans, por exemplo.
Eduardo. É o que os ingleses gostam para o pequeno almoço, hoje podemos dizer que é uma coisa banal, mas na altura não existia.
Avelino. E depois trazia também comida para animais. Enlatada, porque naquele tempo não havia secos. Era enlatada. Na parte de baixo da carrinha vinha o fundo tapado de latas de comidas para animais. Houve uma altura que nós, e foi a estatística que eles fizeram, éramos quem vendia, em Portugal, mais comida para animais por metro quadrado. Quem comprava comida para animais eram os estrangeiros.
Paulo. Naquela altura ninguém tinha as marcas estrangeiras que hoje existem em todo o lado.
Eduardo. Isso aplicava-se a tudo. Os estrangeiros e os portugueses que chegavam ao supermercado tinham as coisas que queriam que não viam em mais lado nenhum. Não era a época da internet em que hoje sabemos tudo o que existe. Isso catapultou o supermercado para o que é hoje.
Avelino. E muitas pessoas inglesas vinham do aeroporto diretamente ali ao supermercado. Não sei como é que eles sabiam, mas havia de ser o contacto que tinham lá uns com os outros. Nós sabíamos que eles tinham vindo do aeroporto porque traziam ainda as malas em cima do carro. Era sinal que vinham direto do aeroporto.
Eduardo. E eram recomendados em qualquer sítio que perguntassem por um supermercado que tivesse muitos produtos, até nos próprios supermercados da concorrência os empregados recomendavam ir ao Apolónia.
Quem é o vosso concorrente? O El Corte Inglès?
Paulo. Os nossos concorrentes são todos.
Mas quem se aproxima mais de vocês?
Avelino. Ninguém.
Paulo. Como nós somos? Ninguém. Basta perguntar aos nossos clientes. Ninguém faz o que nós fazemos. Há vários players que fazem coisas pequenas. Pode haver alguém que tenha muito queijo como nós temos. Pode haver alguém que tem muitos vinhos como nós temos… Tudo num só sítio, não existe.
Avelino. E em quantidade.
Ninguém tentou comprar o vosso negócio?
Paulo. Já tentaram. Ao longo dos anos já fomos várias vezes abordados com propostas, tanto de empresas nacionais como estrangeiras, interessadas em adquirir o nosso negócio. A nossa marca é hoje a melhor referência de qualidade no retalho alimentar em Portugal, fator que a torna particularmente apetecível para quem procura oportunidades de aquisição neste setor.
Porque acha que vários hipermercados se ‘instalaram’ ao vosso lado?
Paulo. A abertura de novos supermercados nos últimos anos não é um fenómeno exclusivo da nossa zona. Em todo o Algarve, tem-se assistido a um ritmo muito acentuado de inauguração de lojas, motivado sobretudo pelo forte aumento da população sazonal que visita a região durante as férias. Este movimento acompanha igualmente uma tendência nacional, em que várias insígnias do retalho alimentar têm procurado expandir a sua presença, reforçando a proximidade com os clientes e aproveitando o crescimento do consumo em determinadas áreas geográficas.
Vocês apostam muito na comida feita?
Não muito. Em Almancil não temos, na Galé e na Lagoa temos.
Qual a razão para nunca terem aberto um Apolónia em Lisboa?
Paulo. As razões para nunca termos chegado a Lisboa dava um filme. Nós nunca chegámos a Lisboa. Dava para fazer uma novela mexicana. Cada vez que estivemos próximos de abrir surgiu sempre qualquer coisa que fez com que não abríssemos. Além disso, as nossas lojas não são fáceis de implementar. Muitas vezes ‘ofereceram-nos’ espaços, que nós teríamos de pagar, como é óbvio, mas eram pequenos, não tinham tamanho, profundidade… Nós somos, seguramente, o supermercado em Portugal, talvez na Península Ibérica, que temos mais back office para cada espaço, para cada metro quadrado da área de vendas. Temos muitas pessoas nas lojas. Temos muito trabalho de back office, de ateliês, de limpeza, de preparação. E isso exige espaços muito grandes. Então é sempre difícil encontrar esses espaços em Lisboa, mas continuamos ativamente a procurar, e há de se conseguir abrir.
Este armazém [em Estoi] que vocês têm já é quase do nível de um hipermercado?
Paulo. Sim. Este armazém é muito superior a qualquer cadeia de supermercados.
Eduardo. Isto é um armazém central. Grande parte dos produtos, não contando com os frescos, passam por aqui, e depois vão para as lojas.
Em relação a Lisboa, Porto, ou mesmo Espanha, o que falta para abrirem?
Paulo. São locais que estão mais do que identificados para se abrir. Até porque os nossos clientes são de lá e pedem essas lojas para lá. Nos locais, onde falha sempre é na dimensão. Precisamos de uma dimensão muito grande.
Eduardo. Tem de ser o Apolónia, não pode ser algo que não é o Apolónia. Por isso temos que ter toda a nossa variedade, todo o nosso serviço, e isso não se faz em espaços pequenos ou mal localizados.
Como conseguem manter a mão-de-obra? Toda a gente se queixa da falta de mão de obra…
Paulo. Com muito esforço e porque é uma empresa familiar que tem objetivos muito verdadeiros.
Eduardo. Antigamente nós tentávamos procurar pessoas que soubessem falar um bom inglês. E hoje em dia já chegámos ao ponto em que, às vezes, os candidatos nem português falam. Nós queremos o português e o inglês. Mas o que é verdade é que a mão-de-obra falta muitas vezes, e basta ir aos restaurantes aqui da zona e percebe-se. Nós vamos ao restaurante e percebemos que os empregados nem português falam. Às vezes, nem português nem inglês. Nós queremos as pessoas a falar inglês, mas o português é obrigatório para nós.
Se tivessem que fazer uma texto para a Inteligência artificial como descreveriam o Apolónia?
Paulo. O Apolónia é o melhor supermercado do mundo, que é o que os nossos clientes todos dizem. É um supermercado onde nós pomos o cliente verdadeiramente à frente de tudo o resto. Não há ninguém que trate o cliente como nós tratamos. Um cliente que tem uma situação, um problema ou um pedido qualquer, põe, muitas vezes, a administração e as direções todas a trabalhar para aquele cliente.
Avelino. E muitas vezes nem é com produtos que se relacionem com o supermercado. São coisas exteriores.
Paulo. Há uma cultura dentro do Apolónia que é mesmo essa, e isto não sou eu a dizer, são os clientes que dizem que quando são atendidos no Apolónia sentem que estão a ser atendidos verdadeiramente com gosto. Também há uma relação muito gira que se estabelece entre os clientes e os nossos colaboradores, às vezes as pessoas até parece que são amigos. Os colaboradores são muito simpáticos e os clientes também se tornam-se simpáticos, temos uma relação muito boa com os clientes, e depois, claro, há a variedade, qualidade, serviço.
Eduardo. Os colaboradores e os clientes, em muitos dos casos, tratam-se pelo nome. conhecem-se. É o estilo de mercearia antiga.
Mas, por exemplo, para quem nunca entrou nas vossas lojas, quais são os produtos mais exóticos? Agora têm champanhes e vinhos com o vosso nome.
Paulo. Isso é porque o estrangeiro chega cá e quer uma marca, que não quer gastar muito ou que não conhece bem. A marca Apolónia dá-lhe a garantia de qualidade.
Está bem, mas que produtos exóticos é que não há em mais lado nenhum em Portugal, como carne, peixe?
Avelino. Temos a carne Kobe, que é uma coisa que não se encontra facilmente nos supermercados.
Qual é o preço por quilo?
Avelino. 349 euros.
Mais produtos diferenciados?
Paulo. No outro dia estava um cliente a dizer que queria um vinho especial e se nós tínhamos ou tinha que ir a outro sítio. Eu disse-lhe, nós temos vinhos dos 4 euros aos 40 mil. Se quiser um vinho ainda mais especial, nós podemos encomendar. Nós temos variedade que ninguém tem num só espaço. Mas dou-lhe vários exemplos: Pérolas de Vinagre Balsâmico de Modena; Cerveja com frutos vermelhos; Sumo de Sauerkraut 100% Natural Orgânico; Gelado para cães; Puré de alho preto; Creme de barrar de chocolate com Rum; Flor de sal fumado; Chocolate branco cabelo de anjo; Queijo da Noruega com sabor a caramelo; Queijo azul com whiskey; Queijo pecorino com flores do bosque e mel; Trufa Preta ou caviar de azeite.
Histórias engraçadas com clientes?
Paulo. Temos uma com uma cliente antiga, que é irlandesa. Veio para Portugal há uns 20 e tal anos, aconselharam-na a vir e ficou num hotel. Depois andou a ver uma casa para comprar e confessou ao mediador que realmente gostava da casa mas era incapaz de viver aqui. Só conhecia os supermercados dos nosso concorrentes, ela chama-se Carol. Até que o vendedor lhe disse que a ia levá-la a um sítio que ia gostar. Levou-a ao Apolónia, ficou encantada e no dia a seguir comprou a casa. Ela conta essa história, hoje somos amigos pessoais. Histórias como a dela existem, temos muitos clientes que dizem que a salvação deles é o Apolónia.
Quais as diferenças de 95, quando o social português descobriu o Apolónia, e hoje?
Paulo. Nunca sentimos isso, que as clientes eram a X ou Y. Eram pessoas que eram conhecidas, também havia, por exemplo, o Figo ou o Ronaldo, mas nunca sentimos, pelo menos da parte delas, que tivessem alguma atitude diferente. Hoje em dia temos clientes tão famosos ou menos famosos, mais ricos ou menos ricos, mas não notamos grandes diferenças.
Eduardo. O que se nota é que já são tantos que já não há aquela coisa de de ver alguém entrar e dizer. ‘Olha quem entrou!’ Faz parte do dia-a-dia entrarem famosos.
Avelino. Aqui qualquer pessoa entra e está tranquila. Ninguém os incomoda. Só se eles nos vierem falar é que é diferente. Nós não queremos que os nosso empregados, principalmente com os jogadores de bola, se ‘metam’ com eles.
Paulo. Agora são os corredores de Fórmula1 que deixam alguns dos nossos colaboradores mais curiosos. Não distinguimos os clientes. Não temos clientes que sejam mais importantes ou menos importantes.
Quantos produtos têm nas vossas lojas?
Eduardo. Temos 35 mil produtos diferentes. Gerir esses produtos é um dos nossos maiores desafios, pois não depende de nós, depende dos fornecedores.
Avelino. O nosso slogan sempre foi à volta disto. Se hoje não houver, amanhã já há. Quando me pediam alguma coisa, e estava só eu e a minha mulher, mais um empregado ou outro, eu respondia sempre: ‘Hoje não há, mas amanhã já tenho. Ou vou tentar ter’. Nunca dizemos não. Incutimos isso nos nossos empregados, de que nunca se diz que não tenho. Acabou-se o produto, deve vir amanhã, ou deve vir depois, ou estamos à espera. Agora aquela palavra não, é sempre um bocadinho pesada.
Eduardo. Temos um procedimento que é normal nos nossos colaboradores, eles apontam tudo aquilo que os clientes pedem, ou seja, se o cliente assim o desejar, eles ficam com o contacto do cliente e assim que tivermos o produto, contactamos. Temos um departamento específico só para procurar produtos, que é uma procura ativa, não é pelos clientes, mas sim porque são produtos que os clientes ainda não sabem que vão querer.
Continuam a prestar o serviço depois das compras, a ensacar as compras?
Paulo. Isso faz parte da nossa cultura.
Avelino. Uma vez estávamos aqui em obras e eu estava a ajudar no que podia. Não havia muitos empregados e eu ia ajudando a ‘ensacar’. Peguei no carrinho com as compras e fui levar ao carro do cliente. Ele pega em cinco contos e diz: ‘Tome lá’. Não, não. Respondi: ‘Eu não posso receber porque sou o dono da casa. Se for um empregado meu não tenho nada a ver com isso’.
Paulo. Também já passei por isso, quando era puto, de me oferecerem 10 libras depois de levar as compras a um Rolls Royce.
Eduardo. Mesmo que um dia tenhamos caixas automáticas teremos pessoas a ‘ensacar’ as compras.
Avelino. Há muitos clientes que chegam à caixa, põem os produtos ali e quem está à caixa é que tem que ‘ensacar’. Os clientes já estão à espera desse serviço.
Já estão a admitir que vão ter caixas automáticas.
Eduardo. Sim, é óbvio que um dia vamos ter que ter essa opção, mas sempre com o serviço. Mas não vamos deixar de ter as caixas com o colaborador.
Mas se vocês se distinguem pelo serviço…
Eduardo. Há uma nova geração que aprecia isso. Mas nunca vamos deixar de ter caixas clássicas.
Quantos empregados têm neste momento?
Eduardo. Dependendo se é verão ou se não é. De verão serão por volta de 500 e de inverno são cerca de 350. Só?
Paulo. Uma das coisas que fazemos ao longo dos anos é criar sempre secções novas. A primeira foi a padaria, depois a peixaria, o café, e criámos o sushi. Devemos ter sido o primeiro supermercado do país a fazer sushi na hora. Agora instalámos a primeira loja de charutos, à sério mesmo, em Lagoa. Tem sido um sucesso. Temos clientes que vêm de Lisboa de propósito comprar os charutos. Temos uma variedade muito grande. estamos sempre a inovar. Fomos os primeiros supermercados a usar check-outs touch.
Eduardo. É como a loja online. Queremos ser tradicionais, mas estamos sempre a inovar. Temos muitos pedidos e continua a expandir. Vendemos para o país todo, exceto os produtos frescos.
Que tipo de produtos pedem?
Eduardo. Produtos que não encontram na sua zona. Pode ser molhos, pode ser umas bolachas, pode ser a água do Cristiano Ronaldo.
O Cristiano Ronaldo já tem uma água?
Eduardo. Sim, sim. Pode ser uma Coca-Cola baunilha.
Avelino. Temos molhos ingleses, alemães, holandeses, mexicanos, japoneses e chineses. Molhos para os produtos indianos, temos uma carrada de variedades… Não precisa de ser um produto muito caro, pode ser barato, mas que é raro. Nós fazemos importação direta.
Eduardo. Pode ser molho de ostras. temos sete ou oitos variedades. Temos umas marcas que os outros não têm, porque importamos diretamente, e isso acabam por ser pedidos que fazem na loja online.
Paulo. Temos entre 30 a 40 variedades de sal, o negro, por exemplo…
E há muita gente a querer-vos copiar?
Eduardo. Quando abrimos a loja de Lagoa parecia que havia excursões. Nós vimos logo que eram concorrentes. Mas não é fácil fazer um Apolónia. Construir uma família, que é o que temos hoje, estas 300 a 400 pessoas são uma família, são pessoas que vivem para a empresa, que tratam a empresa como sendo delas e trabalham para o cliente, para o satisfazer. Ou seja, não temos que andar ali a obrigar as pessoas a fazer um bom serviço. Fazem por orgulho próprio, por orgulho à empresa. Isso não se consegue facilmente. É difícil. Nós temos produtos que se vende uma unidade de dois em dois meses. Isto não faz sentido para uma grande cadeia, para nós faz sentido porque nós temos milhares de produtos assim.
Paulo. O Apolónia é um supermercado onde as pessoas se gostam de ver, e se conhecem. Ir ao supermercado não é uma chatice, é um acontecimento do dia e que as pessoas, quando vão, encontram sempre os amigos.
Avelino. Antigamente isto era um ponto de encontro e hoje ainda continua a ser.
Eduardo. O café do Apolónia é um dos poucos sítios aqui nesta zona que as pessoas combinam para fazer negócios.
Neste momento, qual é a nacionalidade que mais vos procura?
Eduardo. Continua a ser o inglês, mas nota-se que americanos e franceses começam a subir e a mudar.
Quando abriu, em 83, tinha ‘fiados’?
Avelino. Carradas de fiados.
Levaram algumas ‘banhadas’?
Avelino. Levámos algumas. Principalmente nós darmos dinheiro aos clientes e eles passando um cheque, já estávamos a dar fiado. E houve muitas situações que dois ou três amigos estavam a fazer compras e um dizia: ‘Olhe, ponha no livro’. O outro estava por trás e dizia, mas ela tem conta aqui, compra fiado? Então e eu? Que sou cliente também, como é que eu faço?
Isto tudo num caderninho?
Avelino. Sim e o último caderninho foi à vida e nem sei o que lá estava.
Eduardo. Era fiado no dinheiro e no produto. Mas para a quantidade que tínhamos na altura, foram poucas.
O senhor Avelino estudou até quando?
Avelino. Até ao segundo ano. E ainda cá ando, se me reformasse ia envelhecer rapidamente. Nunca pensei que o nome Apolónia podia singrar conforme é hoje.
O Apolónia era para ter sido um restaurante?
Avelino. Era para ter sido um snack-bar. Já tinha a cozinha feita, a máquina de café encomendada, e a vitrina para pôr os bolos e tudo. A minha mulher um dia disse-me assim: ‘Ah pá, o snack bar é para trabalhar de noite? Não, eu não quero’ . ‘Mas então o que é que é queres?’ ‘Ah, só se fosse um ‘minimercado’. A família da minha mulher tinha três mercearias aqui em Almancil. Então disse-lhe que se era um minimercado que ela queria, ‘então vamos para isso’. Se alguma vez me tivessem dito que ia ter empregados, eu dizia logo que estavam malucos. E assim fui andando, hoje com um, depois mais outro, mais outro…
Jornal Sol